.:DÁ LICENÇA:.

Enquanto Penélope tece sua colcha e desmancha todas as noites, eu escrevo e reescrevo sem esperar Ulisses. Aliás, não espero nada.
Na metáfora da leveza e do peso de Milan Kundera, eu fico com o peso. Acho a leveza completamente insustentável. Não consigo me contentar com o superficial. Deve ser por isso que queria morar no teatro. Como o último episódio de SOM E FÚRIA: "GOSTO DE MORAR NO TEATRO, PORQUE AQUI TEM TRAGÉDIA. NA RUA, VOCÊ SÓ VÊ DRAMA".
Adoro uma boa tragédia que me deixa fora do chão, que me coloca frente à minha face e me mostra quão cruel podemos ser, ou quão fraco é o mundo, ou mesmo quão sublime é a arte.
Nao tenho medo do infinito. Apenas temo ficar no centro da bobagem.
Com 19 anos, eu subi no palco para viver a Sônia, personagem do monólogo VALSA Nº 6 de Nelson Rodrigues. Esse mestre pornográfico conseguiu criar uma adolescente vulgar, chata e muito coerente, capaz de ser uma prostituta e perder a virgindade com o pai. Nao foi fácil dar vida a esta insana. Foi um trabalho de meses de trabalho de voz, corpo, análise de texto, incorporação de personagem, criação de cenário, iluminação e divulgação.
A Sônia era minha. Só minha. Adotei a menina como minha e sentia todas as vibrações dela. Eu era uma bipolar típica capaz de fazer horrores no palco.
Pois bem, 7 anos depois, estou em em SP fazendo uma penca de exames chatos e pego o caderno de eventos da cidade. E não é que estava em cartaz "VALSA Nº 6"? Fiquei atônita, "peraí, mas ela não é minha? Me furtaram Sônia"? Sim, e sem qualquer aviso prévio.
Com a alma doída, fui ver a Sônia e ficava repetindo as falas da personagem até perceber que eu não era elemento de cena (tampouco uma figurante árvore). Eu estava na platéia e tinha que me resignar àquele ato tão brutal como um rancar de pele.
Não cabe aqui registrar se gostei ou não da peça. Mas depois percebi que a Sônia não é minha. Ela é do mundo.





Aquilo foi um peso. Mas vi que Kundera estava certo: a vida não caminha em círculos. Não adianta querer repetir uma coisa boa que se viveu. Isso não existe. A vida caminha em linha reta: sempre uma nova surpresa. Sim, eu criei uma Sônia, mas ela pode sair pipocando por aí. Ela é um "ser pipocante". Assim como Hamlet e seus delírios, Lady Macbeth e suas loucuras ou Julieta e seu amor meloso e chato.
A última vez que subi num palco foi esse ano. Estava na platéia da peça "FESTA DA SEPARAÇÃO - UM DOCUMENTÁRIO CÊNICO", e o ator chamou um casal no palco. Apertei a mão do Tiago e fomos (ele antes disse no meu ouvido: "vou te matar". Ok, ninguém se feriu). O ator foi dizendo palavras no ouvido dele e ele ia repetindo em voz alta. Era o pedido de casamento mais lindo e ousado que já vi:

Naquela noite, eu me dei conta de que não importa se você é público ou platéia. Importa sim é o quanto você se importa. O quanto você absorve. O quanto você acredita.
Aquele pedido virou meu. E como me apego, acho que levarei 7 anos pra descobrir que ele pode ser um "pedido pipocante".

1 comentários:

Aline disse...

Pipoca por aqui!

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