Eu poderia...


Eu poderia fazer um melodrama à lá mexicano depois de 2 longos anos de angústia e agulhadas. 

Da pressão alta que surgiu numa viagem à casa da mãe, levou-me a sete diferentes médicos. A peregrinação foi longa... 1 cardiologista, 3 endocrinologistas (sendo 1 deles considerado o melhor do Brasil), 1 reumatologista, 1 clínico geral, 2 ginecologistas, 1 oftalmologista. 
Dos remédios testados para controlar a pressão, passei pelo Losartan, Captopril, Minipress, Aldactone e Lisinopril. 
Ao final, ficou certa a dosagem para controlar a pressão: 210mg de remédios diários. Meu avô, com 87 anos, tomava 25mg... 

De todas os exames, as mais de 40 agulhadas (e 1 flebite) levaram a ... 

17 exames de sangue    * 3 internações    * 1 doppler de artérias renais    * 4 tomografias (todas as 4 com laudos completamente diferentes)   * 2 ressonâncias      *  1 mapa de pressão      * 2 idas a São Paulo para consultas e exames chatíssimos.    * 2 exames de coração (eram pra ser 3, mas concluíram que meu coração estava ótimo)   * 30 caixas de Aldactone * 15 caixas de Reuquinol  * 1 cateterismo de artérias renais

Finalmente, me vejo livre de um limbo. Foram inúmeros diagnósticos... De tumor maligno (feocromocitoma), a lúpus, até a hiperaldosteronismo primário e secundário com adenoma de suprarrenal...UFA!!! 

Até entrar em uma sala carregando os inúmeros exames e diagnósticos, cansada de tanto perambular e ver o sofrimento dos meus pais junto com a gastação de dinheiro com planos de saúde, consultas particulares e viagens, me vi na frente de um senhor simpático e sereno. Dr. Walter escutou toda a minha história em silêncio. 
Ao final, pegou um ou outro exame e jogou o verde sem pestanejar: "Se você não tiver um reninoma, eu não sei o que você tem". 
Oi?? Mais um diagnóstico... Ele pegou o telefone e ligou para meu clínico geral. "Olha, eu acredito ser um reninoma, mas vamos comprovar por ressonância e cateterismo". Ao final, me disse: "Fique tranquila. Pense em uma coisa: você está na mão de bons médicos. Seu caso é complicado e parece ser raro. É preciso estudo. E depois do cateterismo, não há mais exame algum a ser feito".

Ok. Fiz os 2 exames mais tenebrosos que já presenciei... Tomografia, onde te enfiam num tubo que parece uma boate aos moldes dos quartos japoneses, e ainda te incitam à tortura para prender a respiração... e o cateterismo, onde você é obrigada a ficar pelada na frente de médicos lindos que vão abrir sua artéria e você precisa tomar um sedativo à base de morfina pra dormir... Meleca maior não há. 

Passei pelos 2 com direito a alucinação por causa da morfina. Me senti Alice caindo no buraco negro. As ínguas vieram depois. 

E de volta ao simpático médico levando os novos exames, ele dá um sorrisão e diz: "É, pode jogar na Sena. Você tem um reninoma. E só foram diagnosticados 100 casos no mundo...". 
Ou seja, 1 a cada 70 milhões de habitantes tem um reninoma... 

E onde eu arrumei isso? "Olha, isso é genético. Má formação cromossômica... Vai ver que seus pais te fizeram num mau dia... ". Dei uma risada. De alívio. Eu tenho um reninoma. Eu tenho alguma coisa. Eu saí do limbo. 

Acho que fui a única das 100 pessoas que ficou contente por ter um reninoma. Agora é partir pra cirurgia. Claro, uma confusão mental passa pela minha cabeça. Espero ansiosa por um telefonema do Dr. walter para saber o nome do cirurgião e quanto do rim direito será retirado: um pedacinho, ou... Melhor pensar nisso depois. A anestesia geral é algo que impera bonito na minha lista de medos... 

Eu poderia escrever este texto na terceira pessoa e fingir que esta história não é minha. Poderia esnobar minha condição rara no mundo. Poderia ter raiva de ter sido feita num mal dia... 

Mas problemas de saúde são inerentes ao fato de sermos humanos. Não tem como negar ou procrastinar. 
Temos e pronto. E ponto. 

Eu poderia fazer tudo diferente. E é o que vou fazer agora... 

Eu sou muito privilegiada, por possuir plano de saúde e pais maravilhosos que me ajudaram financeiramente em todo o tratamento. Sem isso, acredito que ficaria o resto da vida de médico em médico, demorando até 1 ano para fazer cada exame... 
Sou privilegiada por ter uma mãe bacana que ouvia meus ataques de fúria e que me disse uma vez: "Eu queria que este problema estivesse em mim..." . E um pai que chorava baixinho e por dentro para que eu não percebesse sua angústia. Um irmão sensato que procurou os melhores médicos, e media sempre minha pressão, preocupado, por vezes afoito, e me levou uma vez ao hospital, temendo que eu estivesse muito mal. Por ter amigos e um namorado super especiais, que acompanharam todo o processo, mandando forças e querendo saber notícias...

É... essa história é minha. E infelizmente, tenho que aprender assim. Se é assim, então tá. Encaro de frente. Vambora entrar na faca!! 


1 comentários:

brialvim disse...

Vc não é desse mundo, Flávia... Vc é um ser especial, surpreendente e apaixonante! Todo meu apoio, admiração e carinho a você. Bjo.

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