26 de fev. de 2013

Vanguardista




"As oportunidades do indivíduo não as definiremos em termos de felicidade, mas em termos de liberdade"
Simone de Beauvoir - O segundo sexo...

21 de fev. de 2013

VOCÊ ACHA QUE EU TENHO MEDO DE VANGUARDA????

A antropóloga pega o microfone e faz uma pergunta de 5 minutos para  Ferreira Gullar. 

Ele, com seus 82 anos, prestou atenção em tudo, e ao final questionou:

- Afinal, qual é a pergunta? (Contextualizando, ela queria saber se existem grandes profissionais que lidam com a arte contemporânea, como expor urinóis e urubus nos museus...)

A antropóloga, curadora de um grande museu, retruca:

- Se não entendeu a pergunta, é só não responder!

Gullar, no seu semblante irônico:

- Minha filha, você acha que eu tenho medo de vanguarda?? Eu fui um dos criadores do movimento Neoconcreto!!

Palmas. 

Ok, Cláudia, senta lá. 

Finalizando a fala de Gullar:

- Se você acha que cagar na latinha é arte, o problema é seu. Mas não confunda manifestação política e formas de expressão com arte. E a arte não revela a realidade. O artista que inventa uma realidade... Ou você acha que uma rua de 5 metros de largura cabe dentro de um quadro? 

A ARTE EXISTE PORQUE A VIDA NÃO BASTA..

Gullar, OBRIGADA!

                       GULLAR, Le Penseur... 
19 de fev. de 2013

Sinto muito, mas não estou à venda...

Sim, sou vagabunda. 


Estranho iniciar um texto assim, mas já começo avisando que não sou aquela queridinha do papai que fez a faculdade dos sonhos, passou num super concurso público e casou com um empresário riquíssimo e sadomasoquista. Não, eu fui contra o sistema. 

 Trabalho com Gestão Cultural. Nado nos chafarizes da Praça da Estação, como o delicioso bolinho de bacalhau no Nelson Bordello, vou a praticamente 55 peças de teatro/dança por ano, vou ao cinema no 104, danço na Corte Devassa nos dias de carnaval... 

Por isso mesmo, sou vagabunda. Porque, simplesmente, trabalho e sou amante da arte. Porque fui bailarina por anos e fiz outros muitos de teatro. Porque dancei, interpretei e, hoje, fico atrás das cortinas trabalhando para que tudo dê certo. O quê? TRABALHANDO?

Sim, sou uma vagabunda que trabalha. Que estudou, se especializou. E muito. E que se especializa cada vez mais. EM CULTURA. EM ARTE. EM GENTE. Passo madrugadas elaborando projetos para Leis de Incentivo, corro de um lado para o outro atrás de produtores, assessores de imprensa, busco artistas em aeroporto, faço reunião com empresas para captar recursos...  É muita vagabundice, certo?

Não quis enfrentar as mesas de um concurso público. Não quis seguir carreira jurídica. Não quis usar tailleur. Não quis ter um carro. Não quis ficar na casa dos meus pais. Não quis ficar quieta. Quis ser vagabunda.

Quis rodar o mundo e estudar fora. Quis visitar museus. Quis ficar debaixo das obras do Rodin para ouvir o silêncio de sua arte. Quis me deliciar no Pompidou. Quis apertar a orelha de Van Gogh. Quis colocar meu nariz de palhaço e sair por aí. Quis viajar ao Rio só para ir ao Museu de Arte Moderna admirar as obras da Adriana Varejão. Quis ir a Inhotim várias vezes para ouvir as caixas de som. 

Tudo o que quis, eu fiz. 
Tudo com arte. Tudo com cultura.

Mas não, não estou à venda.
Meu trabalho que está à venda. 
Porque sou vagabunda, mas quero receber por isso... E não quero receber em selos, vinhos, bloquinhos, camisetas. O escambo saiu de moda junto com as caravelas. 

Como escreveu DIOGO SALLEStrabalhe de graça para mim — em troca eu vou te catapultar ao total estrelato”. A situação está sendo subvertida a tal ponto que, se o artista recusar a “oferta”, chega-se a uma estranhíssima inversão de papéis.De repente é como se o artista devesse agradecer aos céus por uma oportunidade como essa (quiçá ele até terá de pagar para poder publicar em um espaço tão ilustre que ninguém lê, nem compra e nem acessa)."


Muitas vezes, quando vou elaborar um projeto cultural e envio minha proposta de remuneração, me deparo com a pergunta: "Peraí, mas você vai cobrar"?????
E assim há a inversão de papéis, onde me deparo novamente com outra bizarria: "Mas você vai trabalhar pra mim, vou te dar NOME!". Ok, chapa, seguinte, meu nome foi-me dado quando nasci, inclusive sem meu consentimento, já que este direito foi desprovido do nascituro. 

E infelizmente, meus 15 minutos de fama não serão de graça. Nem BBB "trabalha de graça", meus sais!!! Por que eu, que estudei e quis ser vagabunda, tenho que fazer filantropia? 

Trabalho de graça em projetos sociais que me dão um retorno maravilhoso: gratidão. Mas viver 100% disso, só quem tem pai ou marido rico, ou nasceu com problemas na caixola. 

Pois é, minha gente, vou cobrar pelo meu trabalho sim. Porque tenho contas a pagar, burocracias para viver, muitas obras para produzir, muito estudo para aprofundar e muita viagem para deleitar. Entendeu? Não? Ok, vou desenhar:





2 de fev. de 2013

Quando é hora de fechar as cortinas...

Impressionante o fascínio que as pessoas tem pela morte. Todo o mistério que ela traz, e também a bizarra atitude humana de querer sempre vasculhar, observar, se acotovelar para chegar perto daquele acidente, da porta da boate, da praça do edifício em chamas. 

Mas pouco de defende sobre o direito de morrer. Afinal, temos direito a decidirmos o nosso próprio destino, inclusive quando queremos que este destino seja a morte?

Lendo a PIAUÍ, uma revista que adoro pela naturalidade com que expõe a realidade, um artigo me chamou a atenção. UMA VIDA QUE MERECE SE ENCERRAR, de MICHAEL WOLFF mostra a história de sua mãe, mulher articulada, inteligente, independente. Mas de repente, do riso fez-se o pranto e ela cai na demência. O que ela vive é uma consequência rasgante da longevidade. Gastam-se fortunas nas pesquisas para que as pessoas vivam mais e mais. Mas nunca perguntaram a elas: VOCÊS QUEREM?

Michael escreve: "Quando trocam a fralda de minha mãe, ela faz ruídos de um desespero rascante. Durante um tempo, antes que perdesse toda a linguagem, era possível, com um esforço de concentração, decifrar o que ela estava dizendo, o que repetia sem parar: “Isso é uma violação. É uma violação. É uma violação.” A coisa estarrecedora é que você vê tudo isso chegar – você está vendo, mas teima deliberadamente em não ver."

É aí que perde-se, além da liberdade, a dignidade. E o que resta? A dependência dos familiares daquele sentimento de posse. A pessoa não pode ir. Ela tem que ficar. Mesmo que com aparelhos, dores, fraldas... Mas não perguntam à pessoa: é isso? 
 Claro, nos adaptamos à realidade. A casa não tem mais música alta, as visitam entram e saem o tempo todo. 

Este foi um dos poucos artigos que li sobre o tema de forma competente e sem levantar a bandeira da jovialidade e das casas de repouso. Ontem, consegui chegar ao sufocamento no cinema ao assistir o filme AMOR. 
Com um realismo cortante, ele nos leva no fundo do fundo da dor da existência. 
Tem uma medida certa para tudo. E não te o drama envolvente da música de fundo, das cores bonitas. Não. É cru na essência. 

Georges (Jean-Louis Trintignant) e Anne (Emmanuelle Riva), dois reformados professores de música, acabam de regressar de um concerto de um antigo protegido. Octogenários, Georges e Anne permanecem um casal feliz e apaixonado. Na manhã seguinte, Anne sofre uma trombose e fica com o lado direito do corpo paralisado. O amor do casal é colocado à prova, conforme o estado de saúde de Anne se deteriora e Georges se sente mais isolado e agoniado. 

Gosto da sinceridade da arte. É a sinceridade que nos tira da zona de conforto. Assim como Riobaldo alivia-se pela sua não homossexualidade, mas se arrebenta por dentro ao descobrir que "Ela era. Tal que desencantava num encanto tão terrível"... Ou Gregor, a barata, com sua morte melancólica, sozinha e fria, onde somente uma maçã cravada em sua pele fora sua única testemunha... Ou Macbeth que conseguiu ser morto por circunstâncias jamais sonhadas... Mas poucas as obras tratam do mais novo fenômeno humano: a velhice prolongada. Que me lembre, Memórias de Minhas Putas Tristes, que narra os momentos finais da vida de forma dolorida e sem cor. 

Pois bem... Os personagens do filme são dois senhores aposentados que tem uma vida parisiense normal: vão a concertos, pegam ônibus, metrô, fazem suas refeições, dormem nas horas certas... Mas o final da vida chega num piscar, ou melhor, num olhar perdido. E aí, é hora de se preparar para o fim de forma triste: através do sofrimento de ambos. 
Quando perde-se a dignidade, é hora de ouvir a voz interna do outro. 

Georges faz isso. Vê a dor de sua esposa ao ser lavada por uma enfermeira. Ao precisar de ajuda ao comer, ao levantar, e depois, quando perde o controle do próprio xixi. 
E como escapar? Ela deixa de comer, e vai deixando, aos poucos, de existir. E Georges também vai se deteroranto... 

A filha do casal visita os pais de tempos em tempos. E também não sabe o que fazer. E distante como mostra, não tem, realmente, o que fazer. E o sarcasmo lúcido de Georges é um ponto fantástico, onde, questionado por que não atende aos telefonemas da filha, responde: "Não vou perder meu tempo com suas preocupações. Tenho que cuidar da sua mãe." 

Georges passa por cima do emocional para adquirir uma personalidade racional e instintitva. Genial! 
O filme nos habita por inteiro com sua sinceridade.

Georges soube parar. Soube se retirar com classe a existência que teima em continuar nada sublime. 
E poucas são as pessoas que entendem isso. Minha avó, uma linda senhora que estudou somente até a 4ª série (e como ouvinte), articuladíssima e inteligente, é sábia em suas frases. Ela disse: "Saber se retirar da vida é um ato de coragem, não de covardia". 
E Heloísa, uma de minhas melhores amigas, com seus 67 anos muito bem vividos entre letras, filmes e teatro, conta a história do seu pai, que viveu 99 anos e 6 meses, e, em seu leito de morte, poucos minutos antes de partir, escreveu: "O corpo é o abrigo do tempo. O meu tempo já acabou".

É preciso sabedoria para saber que precisa ir. Que vamos perder pessoas queridas. Que a vida é crua como tem que ser. Ponto. 

Assista o trailler do filme AQUI